(Rua Capitão-mor Galvão, meados dos anos 70, vendo-se os fundos da residência e mercearia de Seu Manequinho Medeiros).
A Rua Capitão-mor Galvão, sempre foi o elo principal de ligação entre o bairro Paizinho Maria (antigo Departamento) e o centro da cidade. Pela rua, principalmente em dias de festas ou de feira, víamos cruzar vários personagens folclóricos que residiam no "departamento" ou em suas cercanias. Em dias de carnaval, o bloco "Pássaro Preto - Pássaro Anum Mará", do "departamento", subia e descia a Rua Grande, especialmente no sábado e no domingo a tardinha. A atração do bloco era Inácio Gavião, como o "miolo" do Anum Mará, calçando coturnos e pisando nos pés da assistência, sem nenhum pudor. Do mesmo bairro também tinha Chico do Boi vestido de cangaceiro, numa originalidade de aparência de arrepiar.
No início dos anos 70, quando Seu Mané Americano adquiriu uma casa na então Rua Bom Jesus (hoje Ver. Silvino Araújo), veio residir na mesma casa, vizinha a nossa, o seu proprietário, Seu Olavo Cortez, figura exponencial, altamente viciado em leitura e cinema, de conversa agradável, principalmente quando rememorava fatos de sua infância e juventude na Currais Novos dos anos 30/40. Até o seu falecimento, todos os dias, a tardinha, fazíamos uma resenha em sua calçada, que ia, muitas vezes, até as nove da noite.
Á mesma época, André Gomes instala um caldo de cana na mesma casa em que residiu Seu José Emerentino Gomes, e foi esse caldo de cana, que também servia bebidas, serviu de palco onde desfilou inúmeros personagens de causos e de acasos, principalmente daqueles que se excediam na cana ou na cerveja, como era o caso de Geraldo Emerentino, filho do proprietário da casa que, aos domingos era costumeiro no caldo de cana. Mas, no banco de aroeira, de frente ao caldo de cana, havia a famosa resenha, onde nós, entre uma talagada e outra, setávamos para desfiar tudo quanto era assunto da atualidade: futebol, religião, mulher, política e, a vida alheia e no mais, tudo quanto não prestava. Eu, Nego Lula, João Bezerra, Izinho e Nailton Brandão, Wálter e José Albanir Cotrez, José Ari Júnior (in memorian), Vlauney (Gordo) e Vlaudey Liberato, Tony, Maurício, Toinho Julião, e mais quem por lá aparecesse ou desse o ar da graça. Os vigias da rua eram interessantes, pois nenhum deles, naquele tempo, gostavam de tomar umas e outras - para não dizer o contrário. Teve seu Mané, irmão de Lourival, que só bebia São João da Barra; Inácio Gavião e, por último, seu João Valentim (pai dos Sargentos Maurício e Marinaldo e do amigo Manoel Valentim), ainda vivo, que contava muita bravata e portava sempre um revólver, que ninguém sabia se ainda atirava ou não. Certa noite, lá na bodega de João Barbado, na zona do BM, aonde Inácio Gavião se encontrava tomando umas, aproveitamos um seu descuido e escondemos o seu famoso "cacetete", feito de miolo de aroeira, no pé de algaroba lá existente. Inácio ficou doido a procura, e só veio a descobri-lo, porque dias depois, numa ventania, o mesmo caiu de um galho, mas nunca soube quem havia o escondido, porque senão seria uma briga feia ou uma intriga, na certa.
Mas, Toinho Julião (in memorian), com seu rádio sempre á tiracolo, a noite, era uma diversão geral. Ingênuo em suas tiradas, tinha um desejo na vida: se casar ou arranjar uma "companheira". Morreu sem realizar o grande e eterno sonho. Para Toinho não existia segredos, qualquer coisa que se lhe contavam, ele reproduzia, nos mínimos detalhes ao primeiro transeunte que lhe desse atenção, até assuntos familiares, no âmbito de sua residência, ele retratava, mesmo obstado pela família. Dizem que a rua não foi mais a mesma depois que ele faleceu. E é verdade.
Mas a maior das intrigas geradas na rua, foi mesmo a de dona Júlia Duarte com Gérson Gomes "Batatinha", (irmão de André), velho comerciante de miudezas na cidade, residente a Rua Santo Antônio. Ela, dinartista roxa; ele, aluizista de quatro costados; e numa noite de comício do bacurau, eis que Gérson vai se chegando para baixo do pé de fícus de dona Júlia, e quando vai pegando num galho, para quebrá-lo, para levar para a passeata ela, repentinamente, aparece na porta de casa com a famosa chibata na mão, e Gérson atordoado, pergunta-lhe:
- Mas a senhora não está pensando em me passar por essa chibata...
E, dona Júlia, para usar um termo seu - o olhando: "com a cara de assassina de justiça" - devolve:
- Se você se atrever a mexer no galho, eu dou-lhe uma surra tão condenada que seu retrato cai da parede, em casa, e seu lombo vai criar bicho! Seja homem e quebre o galho que eu quero vê!
Gérson desconversou e retirou-se, pois sabia que ela era capaz de tudo. E era mesmo!
Em tempos áureos da rua, Segundo Gomes, filho de seu José Emerentino, ex-motorista da CPRM, voltou a residir em Currais Novos e na mesma casa onde residia sua mãe, dona Marola. Segundo era um pouco ingênuo, mas quando se excedia na cana, ninguém o superava. Tinha uma rixa muito grande e muito antiga com sua irmã Mariquinha, e a chamava de "imagem do cão"; não podia vê-la que logo lhe dava ás costas, e se estava em casa e ela chegava, ele rapidamente se retirava. Mas em certa tarde, segundo foi comprar um pacote de bolacha sete-capas na Padaria Central, e quando ia voltando com o pacote na mão, de frente a casa de Adélia Pires, eis que se depara com Mariquinha, e ato contínuo, lasca-lhe o pacote de bolachas no ombro, gritando: "tome, imagem do cão", e o saco rasgou-se, e foi bolacha pra tudo quanto é lado; e Mariquinha, sem pestanejar, se agacha, pegando as bolachas e dizendo:
- Mas eu como, você me dá surra de bolacha, mas eu como...
E comeu mesmo!
Segundo era mais surdo do que uma "jurema preta", como diz João Maneco, mas mesmo assim era assíduo nos serões de resenhas, principalmente quando faltava energia; e foi numa noite dessas que estando em sua casa eu, seu Olavo Cortez, Nego Lula, João Bezerra e o Gordo, meu irmão, eis que seu Olavo começa a falar de um seu primo, residente em São Luiz, que fora enganado por um praciano de Currais Novos. Era que toda vez que ele mandava que ele lhe trouxesse uma dose de conhaque Macieira, o mesmo misturava vinho de jurubeba com zinebra da palha e o servia. Pois é, o praciano ganhava para ir buscar a dose e ainda ganhava mais, porque o preço da dose do conhaque Macieira era três vezes mais caro do que a mistura que ele mandava fazer. E Segundo vai prestando atenção a história, e quando seu Olavo termina, olha para ele, que era o mais velho da turma, fora ele próprio, e pergunta:
- Oh Segundo, você ainda lembra de Macieira?
E, segundo, bem compenetrado, responde:
- Oh Olavo, ele morava aonde mesmo?
Continua...
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