quinta-feira, 8 de outubro de 2015

MEMÓRIAS URBANAS - Um olhar sobre a Rua Grande - III

A Rua Capitão-mor Galvão, além de Rua Grande, tinha outro topônimo, Rua da Cadeia, pois quando esta foi transferida da antiga Rua do Rosário (hoje Vivaldo Pereira), para a beira do rio, exatamente no local onde outrora localizara-se o trato de animais e pouso de Gregório Nasioseno, hoje abrigando a 3ª Companhia Independente de Polícia Militar, a rua já estava bastante transformada, inclusive tendo muitos moradores mudado as fachadas de suas residências, outras transformadas em casas comerciais, muitos moradores originários haviam já se mudado, etc., por isso fiz, ainda nos anos um poema para a memória da rua e de alguns de seus antigos moradores:


A Rua Grande
(Rua Capitão-mor Galvão)

  
Relembro a velha “Rua Grande”
da minha infância com os olhos distantes,
de mais de meio século...

A rua do rio, que esbarrava na cadeia;
A rua da igreja, que começava na praça.
Passagem obrigatória dos que iam e vinham de todas as funções.      

Nela, ainda vejo a “bomba”
enfeitando a janela de João de Chicó,
o riacho cheio em dias de chuva,
a pedra de “seu” Manequinho inda imponente...

Lembro de dona Júlia Duarte, de chicote na mão,
guardando seu ficus à passagem das passeatas políticas,
que tornava-se cômico, se não fosse trágico,
ver o couro passeando no lombo de algum "bacurau" desavisado .
  
Lembro-me como se fosse hoje,
Como se o tempo não tivesse passado,
Como se nada tivesse passado,
Como se o presente sequer houvesse chegado.

Lembro do meu avô no bloco dos motoristas,
De Raimundo Cruz com sua troça & família,
De Mário Aragão com seu motor,
Do “Assum Preto”, pássaro Anum  Mará,
Com Inácio Gavião conduzindo a grande ave
Em rumo do “departamento”, em passo de ganso.

Me vejo nos jogos de bola na calçada do Armazém,
no cheiro de pão da Padaria de Zé Pinheiro,
da velha oficina de “seu” Zé Augusto, de Paródi  
e do velho Zé Tetéu. 

Da rua velha, hoje apenas um ou outro rosto mais antigo,
Uma ou outra fachada ainda intocada,
Uma ou outra lembrança ainda rediviva,
E muitas saudades que nos fere de morte.

Naqueles tempos a nossa polícia era resumida a um delegado, que era militar, um ou dois sub-delegados civis e a soldadesca, que não passava de cinco ou seis praças, pois de mais a cidade, graças a Deus, ainda não necessitava. O quartel não possuía viatura, ela apenas representava um sonho ainda muito distante, que só veio a concretizar-se quando por aqui chegou a folclórica Rural Willys verde-branca, que foi causa se grande sucesso. No mais, era a soldadesca reclamando dos salários que sempre atrasavam, dos fardamentos já desbotados pelo tempo, das munições vencidas, enfim, vivia a polícia, naqueles tempos, numa precariedade tremenda, o que só viria a melhorar a partir de 1987, quando o então governador do estado passou a olhá-la com os olhos de quem realmente quer mudar alguma coisa, e mudou mesmo.

Mas sendo o nosso quartel e cadeia localizados no final da Rua Grande, era divertido vermos os soldados, ás segundas feiras, "guiando" para o xadrez algum bêbado desordeiro ou valentões que insurgiam. E nesses partos líricos, o soldado Carequinha era quem dava a tônica quando, ao conduzir meliante ao quartel, uma "mulher de vida livre", como diria o outro soldado João Rodrigues, onde a mulher, numa tentativa de gritar, pois estava bêbada, Carequinha admoestou:

- Num dê escâindo não, num escâindo!!! 



MEMÓRIAS URBANAS - O velho misto, bingo e bala...

(Misto Chevrolet)


Ainda tive a satisfação de viajar de Misto, que era feito de uma frente de caminhão e cabina de madeira, com duas divisões, carroceria também de madeira e bagageiro em cima da cabina. Existiam vários em Currais Novos, até finais dos anos 60, e de que lembre havia o de Vicente Teófilo e o de Inácio Colar, mas o Misto que me refiro e no qual viajei, foi no de Inácio Colar, que fazia a linha semanal Currais Novos/Cêrro Corá. Foi em 1964 ou 1965, quando o meu avô Biu Liberato foi marcar um bingo em Cêrro Corá e levou toda a família, e me recordo que tomei a primeira coca-cola num barracão que, se não me engano, de Seu Braz Cortez, no "pé da serra". Em Cêrro Corá ficamos em casa de Seu Luizinho Guedes, primo-irmão da minha avó Chiquinha. O bingo era de muita gente, de várias cidades do estado e até da Paraíba, pois os prêmios eram vários automóveis, e ao final, já quase noite, o responsável pelo sorteio sumiu, e os que "bateram" ficaram a ver navios, aí a bala comeu no centro, e recordo ainda de muita gente correndo pelas ruas em disparada, se atropelando. Resumo da ópera: os organizadores do bingo não não dispunham de automóvel algum, e todos saíram perdendo.

Foi a primeira recordação que tive de bingo, de bala, de correria de gente e, de Misto.


MEMÓRIAS FATAIS - Casa Velha

(Foto ilustrativa, sem conexão com o texto)

Versos em homenagem a antiga "Casa Velha", de Cêrro Corá, hoje Bairro "Tancredo Neves", onde nasceu minha avó, Francisca Tereza Liberato, do clã dos "Viana-Guedes-Araújo", naquele distante ano de 1912, quando ainda era uma vila chamada "Caraúbas".




Casa Velha
(Volney Liberato - 1997)


Já não habita ninguém na Casa Velha
Na verdade, há muito tempo que a velha casa
virou coito de morcegos.
E quem passa assim e a vê
Nem imagina o que foi em seu passado.

Jardins festivos,
Alpendres iluminados,
Salas amplas, lustres ardentes,
Longos corredores
E camarinhas segregadas.

Quem vê suas ruínas
Pode perceber a agonia de suas paredes
Vista pelas cicatrizes marcantes
Deixadas pela queda do reboco.

Alma na pedra;
Galhos retorcidos já lhe enfeitam a fachada
De coloridos e incompletos relevos.
Piso de areia, a cobrir o mármore
Onde pisou muitas gerações.

Quando passo à noite
Pela sua calçada,
Imagino os fantasmas
Que ali se reúnem
Em praça festiva;

E que nos olham de soslaio,
Nos vendo como seres inconcebíveis
Vindos de um mundo distante
E inacessível.

No na Casa Velha, reinam eles,
a quem o tempo apagou as memórias
mas que convivem ainda ali, nos escombros,
como que compartilhando a mesma dimensão.  

terça-feira, 6 de outubro de 2015

CASA DE TAIPA



A primeira notícia que se tem de casa levantada em Currais Novos, data ainda dos tempos do repovoamento, quando aqui se instalou com um sítio o Capitão-mor Galvão. A Casa-Grande do Sítio Bela Vista foi erguida em taipa, é claro que era uma casa ampla, alpendrada, derramada em duas águas, que localizava-se onde hoje se ergue um quiosque (de Ana Maia) de frente a Delegacia da Receita Federal, na bifurcação das artérias,  Avenida Dr. Sílvio Bezerra e Tomás Silveira; e foi ali onde o Capitão-mor Galvão instalou os famosos "Currais Novos", que eram em número de três, e segundo o escritor Antônio Quintino Filho, dentro do seu detalhismo benéfico, o primeiro foi chantado um pouco acima da Casa-Grande, onde era localizada a antiga Bodega de João Barbado, na mesma Av. Dr. Sílvio Bezerra. O segundo curral era mais abaixo, já na atual Rua Vereador Silvino Araújo, em terrenos que abrigava a antiga Serraria de José Macêdo (hoje loja da Granja São Sebastião). O terceiro era um pouco mais abaixo, na hoje Rua Antônio Eduardo Bezerra com a Presidente Kennedy, em terrenos que hoje se ergue o antigo prédio da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos.


terça-feira, 29 de setembro de 2015

MEMÓRIAS FATAIS - Um olhar sobre a Rua Grande - II

(Rua Capitão-mor Galvão, meados dos anos 70, vendo-se os fundos da residência e mercearia de Seu Manequinho Medeiros). 



A Rua Capitão-mor Galvão, sempre foi o elo principal de ligação entre o bairro Paizinho Maria (antigo Departamento) e o centro da cidade. Pela rua, principalmente em dias de festas ou de feira, víamos cruzar vários personagens folclóricos que residiam no "departamento" ou em suas cercanias. Em dias de carnaval, o bloco "Pássaro Preto - Pássaro Anum Mará", do "departamento", subia e descia a Rua Grande, especialmente no sábado e no domingo a tardinha. A atração do bloco era Inácio Gavião, como o "miolo" do Anum Mará, calçando coturnos e pisando nos pés da assistência, sem nenhum pudor. Do mesmo bairro também tinha Chico do Boi vestido de cangaceiro, numa originalidade de aparência de arrepiar.

No início dos anos 70, quando Seu Mané Americano adquiriu uma casa na então Rua Bom Jesus (hoje Ver. Silvino Araújo), veio residir na mesma casa, vizinha a nossa, o seu proprietário, Seu Olavo Cortez, figura exponencial, altamente viciado em leitura e cinema, de conversa agradável, principalmente quando rememorava fatos de sua infância e juventude na Currais Novos dos anos 30/40. Até o seu falecimento, todos os dias, a tardinha, fazíamos uma resenha em sua calçada, que ia, muitas vezes, até as nove da noite.

Á mesma época, André Gomes instala um caldo de cana na mesma casa em que residiu Seu José Emerentino Gomes, e foi esse caldo de cana, que também servia bebidas, serviu de palco onde desfilou inúmeros personagens de causos e de acasos, principalmente daqueles que se excediam na cana ou na cerveja, como era o caso de Geraldo Emerentino, filho do proprietário da casa que, aos domingos era costumeiro no caldo de cana. Mas, no banco de aroeira, de frente ao caldo de cana, havia a famosa resenha, onde nós, entre uma talagada e outra, setávamos para desfiar tudo quanto era assunto da atualidade: futebol, religião, mulher, política e, a vida alheia e no mais, tudo quanto não prestava. Eu, Nego Lula, João Bezerra, Izinho e Nailton Brandão, Wálter e José Albanir Cotrez, José Ari Júnior (in memorian), Vlauney (Gordo) e Vlaudey Liberato, Tony, Maurício, Toinho Julião, e mais quem por lá aparecesse ou desse o ar da graça. Os vigias da rua eram interessantes, pois nenhum deles, naquele tempo, gostavam de tomar umas e outras - para não dizer o contrário. Teve seu Mané, irmão de Lourival, que só bebia São João da Barra; Inácio Gavião e, por último, seu João Valentim (pai dos Sargentos Maurício e Marinaldo e do amigo Manoel Valentim), ainda vivo, que contava muita bravata e portava sempre um revólver, que ninguém sabia se ainda atirava ou não. Certa noite, lá na bodega de João Barbado, na zona do BM, aonde Inácio Gavião se encontrava tomando umas, aproveitamos um seu descuido e escondemos o seu famoso "cacetete", feito de miolo de aroeira, no pé de algaroba lá existente. Inácio ficou doido a procura, e só veio a descobri-lo, porque dias depois, numa ventania, o mesmo caiu de um galho, mas nunca soube quem havia o escondido, porque senão seria uma briga feia ou uma intriga, na certa. 

Mas, Toinho Julião (in memorian), com seu rádio sempre á tiracolo, a noite, era uma diversão geral. Ingênuo em suas tiradas, tinha um desejo na vida: se casar ou arranjar uma "companheira". Morreu sem realizar o grande e eterno sonho. Para Toinho não existia segredos, qualquer coisa que se lhe contavam, ele reproduzia, nos mínimos detalhes ao primeiro transeunte que lhe desse atenção, até assuntos familiares, no âmbito de sua residência, ele retratava, mesmo obstado pela família. Dizem que a rua não foi mais a mesma depois que ele faleceu. E é verdade.

Mas a maior das intrigas geradas na rua, foi mesmo a de dona Júlia Duarte com Gérson Gomes "Batatinha", (irmão de André), velho comerciante de miudezas na cidade, residente a Rua Santo Antônio. Ela, dinartista roxa; ele, aluizista de quatro costados; e numa noite de comício do bacurau, eis que Gérson vai se chegando para baixo do pé de fícus de dona Júlia, e quando vai pegando num galho, para quebrá-lo, para levar para a passeata ela, repentinamente, aparece na porta de casa com a famosa chibata na mão, e Gérson atordoado, pergunta-lhe:

- Mas a senhora não está pensando em me passar por essa chibata...

E, dona Júlia, para usar um termo seu - o olhando: "com a cara de assassina de justiça" - devolve:

- Se você se atrever a mexer no galho, eu dou-lhe uma surra tão condenada que seu retrato cai da parede, em casa, e seu lombo vai criar bicho! Seja homem e quebre o galho que eu quero vê!

Gérson desconversou e retirou-se, pois sabia que ela era capaz de tudo. E era mesmo!

Em tempos áureos da rua, Segundo Gomes, filho de seu José Emerentino, ex-motorista da CPRM, voltou a residir em Currais Novos e na mesma casa onde residia sua mãe, dona Marola. Segundo era um pouco ingênuo, mas quando se excedia na cana, ninguém o superava. Tinha uma rixa muito grande e muito antiga com sua irmã Mariquinha, e a chamava de "imagem do cão"; não podia vê-la que logo lhe dava ás costas, e se estava em casa e ela chegava, ele rapidamente se retirava. Mas em certa tarde, segundo foi comprar um pacote de bolacha sete-capas na Padaria Central, e quando ia voltando com o pacote na mão, de frente a casa de Adélia Pires, eis que se depara com Mariquinha, e ato contínuo, lasca-lhe o pacote de bolachas no ombro, gritando: "tome, imagem do cão", e o saco rasgou-se, e foi bolacha pra tudo quanto é lado; e Mariquinha, sem pestanejar, se agacha, pegando as bolachas e dizendo:

- Mas eu como, você me dá surra de bolacha, mas eu como...

E comeu mesmo!

Segundo era mais surdo do que uma "jurema preta", como diz João Maneco, mas mesmo assim era assíduo nos serões de resenhas, principalmente quando faltava energia; e foi numa noite dessas que estando em sua casa eu, seu Olavo Cortez, Nego Lula, João Bezerra e o Gordo, meu irmão, eis que seu Olavo começa a falar de um seu primo, residente em São Luiz, que fora enganado por um praciano de Currais Novos. Era que toda vez que ele mandava que ele lhe trouxesse uma dose de conhaque Macieira, o mesmo misturava vinho de jurubeba com zinebra da palha e o servia. Pois é, o praciano ganhava para ir buscar a dose e ainda ganhava mais, porque o preço da dose do conhaque Macieira era três vezes mais caro do que a mistura que ele mandava fazer. E Segundo vai prestando atenção a história, e quando seu Olavo termina, olha para ele, que era o mais velho da turma, fora ele próprio, e pergunta:

- Oh Segundo, você ainda lembra de Macieira?

E, segundo, bem compenetrado, responde:

- Oh Olavo, ele morava aonde mesmo? 

Continua...














































segunda-feira, 28 de setembro de 2015

MEMÓRIAS FATAIS - Um olhar sobre a Rua Grande - I

Quando o Dr. Nitom lançou "Meio Século da Roça á Cidade", em 1970, quando Currais Novos comemorava o seu cinquentenário como cidade (1920-1970), quando fala da sua chegada, para residir na Rua Capitão-mor Galvão, em 1912, a rua já ostentava este nome, pois foi esta a primeira a ganhar foros de rua da edilidade, portanto muito antiga a Rua Capitão-mor Galvão, muito antiga a Rua Grande, ou a Rua da Cadeia, numa nomenclatura popular mais atual.

(Rua Capitão-mor Galvão (Rua Grande), anos 60)

Fui criado na casa dos meus avós paternos, Biu Guarda e Chiquinha de Biu, parteira, mas meu pai residia imediatamente de frente, onde hoje mora meu irmão Vlaudey. Como vizinhos, tínhamos as mais singulares figuras: Antônio Julião e dona Severina, Manoel Americano e dona Bertina, Zé de Assis e dona Júlia Duarte, Zé Segundo Pires e dona Toinha Vasconcelos, Chico Aureliano e dona Lourdes, Ana Bento, Zé Emerentino e dona Marola Gomes, Maria do Carmo Damascena, Paulino Jerônimo, dona Amélia Vasconcelos, Sebastião Garcia, Euzébio Azevêdo e Ana Coró, Morais Medeiros e dona Marié, Alcindo Salustiano e dona Teresa, dona Maria Leite e as filhas: Cordeira, Rita e Mimosa; dona Maria Bandeira, Naninha Bandeira, seu Severino dos Ramos e dona Astrogilda, seu Manoel Pinto, seu Antônio Quintino, Chico Loló e Iracilda, Severino Gonçalves, as irmãs Nana e Lulú Albuquerque, dona Lulú Galvão, Maneto Galvão e dona Loura, seu Antônio Bezerra Linhares e dona Sinhá, Basílio Dantas, Gérson Cruz e dona Justina, seu Chico Jorge, dona Tutú dos Anjos, etc. Tutte buona gente.

Era a Rua Grande a rua da oficina de seu Zé Augusto e Zé Paródi, do Armazém e Serraria Floresta, da Padaria Central, da Fábrica de Brinquedos, da Fábrica de Gelo, da velha Usina de Força e Luz e do Quartel da Polícia Militar. Era também a rua das bodegas famosas, de João Ferreira,de seu Manequinho Medeiros e de seu Delmiro, por extensão, tinha também a bodega de Quinino Silveira, justamente no beco de João Ferreira (Rua José Bandeira).

Na antiga Rua Sant'Ana (a velha Rua do Riacho - [hoje Rua Santo Antonio] por que mudaram o nome?), transversal a Rua Capitão-mor Galvão, residia uma senhora chamada dona Tutú, irmã do coronel Manoel Aleixo de Maria, que as segundas feiras fazia vendagens de bolos, doces secos, cocadas, alfenis, etc., e todas as segundas feiras, bem cedinho, sentava-me á porta de casa á espera dos alfenins que ela graciosamente me ofertava, quando subia em demanda da feira, naquele tempo ainda assentada na Rua Lula Gomes. Era uma mulher alta, gorda, conservadora nos costumes e procedimentos, que usava várias saias, uma por sobre a outra, á moda antiga, pois faleceu na mesma casa e a mesma rua, quase centenária. Um pouco mais abaixo residia seu Biu (botador d'água), irmão de Maria das Neves, antiga cozinheira do Hospital Padre João Maria, na mesma casa hoje, seu filho Antônio mantém uma serralharia. Seu Biu era cheio de piadas e presepadas, principalmente quando tomava umas e outras talagadas. Era um brincalhão em pessoa.

Foi nessa mesma rua, contígua a antiga pedra anexa a residência de seu Manequinho Medeiros, que meu tio-avô, o velho José Liberato de Souza, tropeiro, no início do século, levantou a primeira casa de moradia, que hoje pertence aos herdeiros do finado Jorge Albuquerque, que ostenta uma lanchonete em sua parte frontal.

Era a Rua Grande um verdadeiro celeiro da fauna de "moleques" que a infestava. Eu, os filhos de seu Paulino (Edgar e Eudes), Dôte de seu Bezerra, Zezinho e Lula de Ana Bento, Pindoba de Chico Aureliano, Justo, Vevé, Bardhal e Tota de Napoleão; João de Biu; Assis, Valdinho e Titi de Antônio Alves; Toco, Bola e Nequinho de Mané Grosso, Ivanildo de João Ferreira, Paulo de Cassiano; Tota, Jackson e Galego de Zé Paz, Willian e Clébio de Antônio Costa; Celso, Marcos e Cabo Dal de Raimundo Cruz, além de muitos outros que, residindo em ruas paralelas, sempre apareciam, principalmente para os "mirins" de futebol na calçada do Armazém Floresta, antes do expediente da tarde se iniciar. Em dias de domingo, a pelada corria frouxa, a toda hora.

Á mesma época, havia o folclórico João de Chicó, fogueteiro de profissão, que mantinha uma bomba pendurada na janela, como atrativo de marketing para os produtos pirotécnicos por ele fabricados. Seu João criava um bode pai-de-chiqueiro e uma grande Gia no depósito de fogos, além de velhos instrumentos musicais da antiga banda de música, pois também era instrumentista de bombardino.

Residia a mesma rua, vizinha a casa do meu avô, dona Júlia Duarte de Assis, viúva do marchante José de Assis, compadres de minha avó. Mulher voluntariosa, impulsiva, dinartista de carteirinha que, mantendo um pé de fícus á sua porta, em noites de passeatas do "bacurau", prostrava-se com uma chibata nas mãos, para impedir que os passeantes arrancassem galhos de sua árvore de estimação. Dona Júlia era mãe da Prof. Francinete Duarte, residente em Palmares-PE, e tia do não menos folclórico Chico Barraqueiro.

Da Padaria Central (ainda hoje existente, capitaneada pelo amigo José Augusto, filho de José Pinheiro) lembro-me de alguns empregados daqueles tempos: Joca, Teodoro, Armando, Geraldo, Brejeiro, Zé Elisbão, e o seu proprietário, José Pinheiro Neto. Alcancei ainda, tanto a revenda de produtos bem como a fabricação dos mesmos, localizando-se imediatamente de frente, ou seja, onde hoje situa-se o setor de fabricação.

Da oficina de seu José Augusto, lembro-me de Zé Paródi (que acabou por herdá-la), de seu Tomas, de Zé Teteu, de Fernando de seu Tomás e o outro Fernando, sobrinho deste, de Chico, de Nego Antônio, de Bento e de muitos outros que por ali passaram e prestaram seus serviços.







 

  



  







   

domingo, 20 de setembro de 2015

MEMÓRIAS FATAIS - Tiquinha


Antônio Salviano Paz ou simplesmente Tiquinha era, por assim  dizer, putanheiro por natureza. Cabreiro de jogo famoso, pau d'água constante (tendo abandonado o ofício (cachaça) depois de velho), era das pessoas que podiam bater nos peitos e dizer que jamais vendeu ou mesmo deu um dia de serviço a quer quer que seja. Compadre e amigo de "ofício" do meu avô Biu, companheiros da velha "Cruzada da Esperança" e seguidores de Radir Pereira, no velho PTB, assim como Manoel Bimba, Emídio Moreira, Aruca, Abdias e Quincas Marques, Cabo Adolfo, etc. Quando o conheci, residia com os irmãos Oliveira, Hominho e Ana, numa casa ainda hoje existente, sem ser reformada, onde mora o único sobrevivente da prole masculina, Augusto Paz.

Tiquinha, mesmo com a vida atribulada e cheia de percalços que teve, além da cachaça e das noites perdidas de sono, nas mesas de jogo, morreu quase centenário; com 98 anos para ser mais preciso.

Foi casado com Maria Gomes Bezerra (a legendária Maria de Tiquinha), e do casal nasceram muitos filhos, tais como: Antônio, Luizinho (Tricú), Chico, Manoel, Nerival... As mulheres: Maria, Nereide e Neide. Minha avó, Chiquinha de Biu, sua comadre, teve participação na "pegação" de quase todos ou de todos.

Manteve uma casa de jogo por muito tempo, na Rua João Pessoa, onde hoje localiza-se uma loja de tecidos, que anteriormente pertenceu a Seu Zé Rego. Ali, naquele antro, foi que ele, segundo Rafael de Primo, "tirou muito feijão e muita rapadura do prato dos incautos e desavisados", principalmente dos matutos, quando ainda havia matutos.

E foi por esse tempo que, um seu sobrinho chamado Manoelzinho, filho do não menos famoso Severino Raiz, ganhou do tio, banqueiro de jogo, o apelido que o acompanhou por toda a sua vida: Herege!

E por que Herege?

Dizem que numa segunda feira, dia bastante movimentado na banca, Tiquinha perde uma parada atrás da outra, e o seu sobrinho Manoelzinho, aperuando, e quando o tio perde mais uma, ele sorri e estala os dedos, como se estivesse gostando. Na cartada final, quando Tiquinha raspa a gaveta e aposta os últimos centavos, perdendo, olha para Manoelzinho e dispara:

- Tás satisfeito agora, seu Herege, matasse teu tio!

E ficou por Herege até morrer.

De Tiquinha e dos Paz, existem muitos casos e acasos.